Thursday 19 April 2012

OLD SCHOOL #9 ANDRÉ GUEDES


























SOBRE “DIÁLOGO OBLÍQUO - ALMA M. KARLIN”  

O diálogo oblíquo invocado no título começa por ser o da tentativa de relacionamento entre duas colecções do Museu Regional de Celje na Eslovénia, a colecção de souvenirs de viagem de Alma M. Karlin e a colecção etnográfica da região. Embora neste diálogo imposto e improvável — pretexto para convocar a figura de Karlin — encontremos alguma afinidade formal e material, facilitada por uma linguagem museográfica semelhante, ambas as colecções divergem profundamente entre si nos seus aspectos funcionais e simbólicos, assinalando através da etnografia a diacronia do humano, dos seus lugares e modos de produção.

No entanto, oblíquo é também o modo de relacionamento desta viajante-escritora-jornalista-pedagoga face aos mesmos objectos, e aos lugares, gentes e práticas donde estes são originários, testemunhos físicos da sua deambulação à volta do mundo. Os relatos das suas viagem, eminentemente subjectivos e esotéricos, publicados em língua alemã entre os anos 1920 e 1930, e que a converteram momentaneamente numa acarinhada autora, são informados por uma ambiguidade e conflitualidade permanente enquanto mulher e estrangeira. Neles emergem sentimentos díspares, contraditórios e enviesados, perante o outro, e nem sempre coerentes com os integradores postulados humanistas do pensamento teosófico da qual era seguidora.

A multiplicidade de acontecimentos que descreve na primeira pessoa configuram, como sugere a investigadora Neva Šlibar, uma literatura geo-biográfica. Nesta, a narração, em estreita e inseparável relação da experiência com a escrita, converte-se numa estratégia de sobrevivência ao mundo, até mesmo quando, no regresso ao seu país após a longa viagem, esse mundo caminha no sentido de uma progressiva estranheza (a invasão nazi seguida da formação da República Federal Socialista da Jugoslávia em 1945).

As interpelações de Alma M. Karlin ao que vê e descobre, entre momentos de horror, absurdo e maravilhamento, a exposição das suas percepções, pensamentos - e preconceitos - parecem-nos hoje, apesar de tudo, inevitavelmente anacrónicas. O que em última instância ela nos devolve de um passado histórico na qual a modernidade está em transição, é a nossa própria possibilidade de reiteração, incentivando-nos a examinar a nossa própria perspectiva perante o diferente.

André Guedes





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