SOBRE
“DIÁLOGO OBLÍQUO - ALMA M. KARLIN”
O diálogo oblíquo invocado no título
começa por ser o da tentativa de relacionamento entre duas colecções do Museu
Regional de Celje na Eslovénia, a colecção de souvenirs de viagem de Alma M. Karlin e a colecção
etnográfica da região. Embora neste diálogo imposto e improvável — pretexto
para convocar a figura de Karlin — encontremos alguma afinidade formal e
material, facilitada por uma linguagem museográfica semelhante, ambas as
colecções divergem profundamente entre si nos seus aspectos funcionais e
simbólicos, assinalando através da etnografia a diacronia do humano, dos seus
lugares e modos de produção.
No entanto, oblíquo é também o modo de
relacionamento desta viajante-escritora-jornalista-pedagoga face aos mesmos
objectos, e aos lugares, gentes e práticas donde estes são originários,
testemunhos físicos da sua deambulação à volta do mundo. Os relatos das suas
viagem, eminentemente subjectivos e esotéricos, publicados em língua alemã
entre os anos 1920 e 1930, e que a converteram momentaneamente numa acarinhada
autora, são informados por uma ambiguidade e conflitualidade permanente
enquanto mulher e estrangeira. Neles emergem sentimentos díspares,
contraditórios e enviesados, perante o outro, e nem sempre coerentes com os
integradores postulados humanistas do pensamento teosófico da qual era
seguidora.
A multiplicidade de acontecimentos que
descreve na primeira pessoa configuram, como sugere a investigadora Neva Šlibar, uma literatura geo-biográfica. Nesta,
a narração, em estreita e inseparável relação da experiência com a escrita,
converte-se numa estratégia de sobrevivência ao mundo, até mesmo quando, no
regresso ao seu país após a longa viagem, esse mundo caminha no sentido de uma
progressiva estranheza (a invasão nazi seguida da formação da República Federal
Socialista da Jugoslávia em 1945).
As interpelações de Alma M. Karlin ao
que vê e descobre, entre momentos de horror, absurdo e maravilhamento, a
exposição das suas percepções, pensamentos - e preconceitos - parecem-nos hoje,
apesar de tudo, inevitavelmente anacrónicas. O que em última instância ela nos
devolve de um passado histórico na qual a modernidade está em transição, é a
nossa própria possibilidade de reiteração, incentivando-nos a examinar a nossa
própria perspectiva perante o diferente.
André Guedes
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